quarta-feira, 30 de abril de 2008

História reticente - Cap. VII

Não demorou para dona Izabel acordar. Logo que voltou à cozinha, Stella encontrou a mulher fazendo o café. Disse um tímido bom dia. Dona Izabel respondeu com um sorriso pálido. Ajudou-a com a arrumação da mesa. Logo seu Pedro e Antenor chegaram. Sentou-se com a família.
- Izabel, onde está Joaquim? – perguntou o pai, com os olhos serrados.
Dona Izabel fez uma cara de “você bem sabe”. E seu Pedro não preocupou-se em esconder o descontentamento.
- Não sei como posso confiar nesse rapaz. Temos muito trabalho hoje. E ele sabe disso. Mesmo assim, passa a noite na farra e nunca acorda cedo.
Então olhou para Antenor, que estava distante, compenetrado nas notícias do jornal do dia. Pronto para ir para a faculdade.
- Assim que terminar essa maldita faculdade, virá trabalhar comigo, meu filho.
Antenor olhou para o pai, passivamente. Sorriu sem sorrir. Fez que sim com a cabeça. Mas Stella percebeu a contrariedade controlada do rapaz. Sim, ele sentia-se como ela. Então fitou-o com um olhar morno. Ele não percebeu. Estava muito ocupado com a sua raiva contida.
Stella sentia-se aliviada por Joaquim não estar ali. Tomou seu café com tranqüilidade e, depois de arrumar a cozinha e ajudar dona Izabel com a limpeza da casa, saíram às compras. Voltaram apenas na hora do almoço, que havia sido preparado por Izildinha, a única criada daquela casa.
Stella sentou-se tranquilamente à mesa, ao perceber mais uma vez a ausência de Joaquim. Mas logo foi surpreendida por sua voz rouca, fazendo festa para a família.
Sentiu o coração bater mais forte. Pulsou tão alto que chegou a doer. E seu rosto ficou quente. Baixou a cabeça, sem perceber. Mas alguém percebeu. E não gostou.
Seu Pedro repreendeu o filho, que pareceu não dar importância. Ele disfarçava seu sorriso. Como era feliz esse Joaquim. Antenor observava calado. Contido.
Dona Izabel aparentava estar irritada. Adorava o seu caçula. E Stella ardia. Foi surpreendida, então, por uma declaração de seu Pedro.
- No próximo sábado oficializaremos o noivado. – exclamou, de repente, o patriarca.
Stella levantou a cabeça. E sentiu os olhos pesados de Antenor sobre os seus. Era a primeira vez que ele a olhava de verdade.
- Faremos uma pequena recepção. E seus pais virão, menina Stella. Enviei-lhes um telegrama hoje.
Mais uma vez, Stella ficou calada. Queria berrar. Mas nada fez. Sentia-se revoltada, pois iria ficar noiva de um homem que sequer ouvira a voz. E o pior: tratava-se de um maldito covarde, que acata ordens, como ela. Um alguém sem voz. Um alguém sem sal. Na verdade, pensou, um alguém tão ninguém quanto ela.
Então, Joaquim dirigiu-se a ela, tirando-a daqueles pensamentos tão declarados por suas feições contrariadas. Não percebera, mas todos já haviam deixado a mesa. Menos Joaquim, que a fitava sem medo.
- Então, minha menina, não gostou da notícia?
- Não tenho que estar feliz ou triste. Não tenho escolha. Não sou dona de mim.
Ele riu, mas seu olhar era de alento. Parecia gostar dela.
- Você estava linda hoje. Estou feliz por ser você a minha futura esposa.
Stella olhou-o, incrédula. Como??? Ela sempre soube que se casaria com o filho mais velho dos Almeida. Não acreditou na insinuação de Joaquim.
- Sim, minha querida. Fique tranqüila, pois você vai ser minha. Só minha – disse Jaoquim, saindo dali mais uma vez com um sorriso.
Stella não soube o que sentir. Mas começou a esboçar um leve sorriso. “É, a vida pode ser boa, enfim”.

terça-feira, 22 de abril de 2008

História Reticente - Cap. VI

Stella ficou assustada. Não poderia imaginar que mais alguém, além dela, já tivesse acordado, naquela hora da madrugada. Então olhou para trás. E percebeu que Joaquim sequer havia ido dormir. Seu terno estava amassado, desalinhado. Seus cabelos estavam atrapalhados. Seus olhos, vermelhos. Cansados e maravilhados. Um sorriso deliciava-se em lábios pretensiosos. Stella sentiu o rosto esquentar com aquele olhar ambicioso sobre seu corpo. Estava apenas com a camisola. Lembrou-se e cobriu o corpo com as pequenas mãos. Em vão. Abaixou a cabeça. Correu em direção à escadaria que dava para os aposentos da casa. Mas Joaquim foi mais rápido. Pegou-a pela cintura fina. Suas mãos eram realmente grandes. E fortes. Decidido, puxou-a para si. Stella fechou os olhos. Não gritou. Não reagiu. Apenas deixou-se aprisionar por aqueles braços pesados. Sentiu a respiração ofegante de Joaquim em seus cabelos. Seu hálito estava forte. Estava bêbado. Então, abriu os olhos, de repente. Como se estivesse voltando de um transe. E empurrou-o. Soltou-se e correu. Pode ouvir sua risada infame. Conseguiu chegar ao quarto. Trancou a porta. E sentou-se no chão frio. Ele não a seguiu. E ela não sabia o que sentir. Foi invadida por sentimentos adversos. Primeiro medo, depois aversão. Raiva. “Como pode me agarrar assim? Pensa que sou como as mulheres da vida, que está acostumado a lidar todas as noites?” Depois sentiu prazer. Desde que vira Joaquim na estação, gostara daquele sorriso. Foi o sorriso mais lindo que já vira. E agora experimentara suas mãos. Seu olhar inquietante. E gostara daquilo, meu Deus. Então foi tomada por um desapontamento. Não podia querer Joaquim. Ele não era o seu noivo. Não seria ele o seu marido. E mesmo que fosse, como poderia aceitar um homem que não lhe teve respeito. Stella colocou a cabeça entre os joelhos e apertou as mãos. Mais do que nunca, queria estar com sua mãe, longe daquele lugar. Queria outra vida, outra história. Praguejou seu destino. E depois de alguns longos minutos, levantou-se, determinada. Trocou-se rapidamente. Sentou-se na penteadeira. Penteou os longos cabelos. Prendeu-os em um coque delicado. Apertou as bochechas. Ensaiou um sorriso. E abriu a porta. Desceu as escadas e foi direto para a cozinha. Mas Joaquim não estava mais lá. Ficou aliviada. E levemente decepcionada. Viu uma rosa vermelha sobre a mesa, junto ao chapéu do rapaz. Recém colhida. Era para ela. Sabia que era. Só não soube se era um pedido de desculpas ou mais um atrevimento por parte de Joaquim. Sentiu seu cheiro fresco. E foi para o jardim.