quinta-feira, 13 de março de 2008

história reticente - Cap.III


A casa era majestosa. Não parecia pertencer à dona Izabel. Ela ainda não se habituara àquele lugar luxuoso e a ser uma senhora da sociedade – nunca se tornaria uma, pobre mulher. A vida não lhe preparara para uma biografia melhor. Stella soube assim que chegou ali. Mas entrou silenciosa pela imensa cozinha. Não quis comer. Sequer poderia. Seu estômago estava triste. Depois de tomar uma xícara de café que queimou sua garganta, seguiu calada para o pequeno quarto alojado nos fundos. E que não possuía um sinal do esplendor da casa. Dona Izabel chegou a oferecer-lhe um dos quartos da mansão. Não aceitou. Preferiu a solidão reconfortante daquele quartinho mofado e vazio. Entrou receosa. Acomodou-se e ficou ali, sentada na cama, por tempo indeterminado, olhando para as paredes desocupadas, tentando não pensar. Não conseguiu. Impossível não pensar. Impossível não doer. Era a primeira vez que saía de perto de sua família. Estava só. Em um lugar distante, destelhado, incolor. E com a missão de uma vida que ainda não era sua. Será que um dia seria? A idéia a envolveu. Arrepiou os pêlos de seu braço. Tentou chorar. Quem sabe assim escorro de mim esse vácuo de dor? Não, não vou chorar. Não vou gritar. Não vou sofrer. Vou sobreviver. Vou viver. Deitou-se na cama do canto. Fechou os olhos. E, apesar de não dormir, só os abriu no dia seguinte, com a luz alaranjada entranto pela janela, avisando que a vida continuava. Foi quando sentiu, por um segundo congelante, que poderia não estar sozinha ali. Estremesceu. Mas não disse nada a ningém. Pelo menos por enquanto.

história reticente - Cap.II

Os portugueses eram os Almeida. Seu Pedro era robusto, de feição forte e marcada. Tinha poucos cabelos e um grande bigode. E falava pouco, mas que você não se engane com isso: ele dava valor às palavras. Sabia exatamente a hora certa e o lugar perfeito para encaixá-las. Dona Maria Isabel era pequena e mirrada. Tinha rugas precoces e o corpo curvado: parecia carregar um grande fardo. Usava roupas escuras e um avental eterno. Havia, ainda, na casa, dois rapazes: Antenor e Joaquim. O primeiro, o mais velho, era alto e carrancudo como o pai, mas dono de uma beleza peculiar: apesar de um nariz desproporcional, seu rosto era iluminado. Estudava para ser doutor na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O mais novo, Joaquim, era forte e alegre. Tinha um sorriso verdadeiro, cabelos macios e olhos que encantavam. Vestia-se impecavelmente e trabalhava com o pai nos negócios da família. ...E fazia sucesso com as moçoilas da cidade.Eles estavam esperando por Stella na estação: Dona Isabel e Joaquim. Ela foi uma das últimas a deixar o vagão. E foi recebida com um sorriso e dois apertos de mão. Poucas palavras no caminho até a casa. Melhor assim, pensou, desprotegida, aquela menina que não queria estar ali.

A primeira parte desta provável história está no post abaixo...

história reticente - cap.I

Contrariando a expectativa da menina, aquele dia amanhecera claro e de um azul infinito. Não combinava em nada com o que ela estava vivendo – mas estava vivendo. E, por isso, seus olhos recusavam-se a abrir. Ela não queria enfrentar. Estava cansada. Uma tristeza branca invadiu seu corpo, que ficou ainda mais reticente. Meu Deus, preciso levantar. Preciso. E foi com uma energia esvaída que Stella abriu os olhos. Com uma lentidão pesada, ergueu-se da cama estreita onde passara a primeira de muitas noites que ainda viriam. O quarto era apertado para as duas camas e a pequena mesa. Mas só ela dormia ali, naquela manhã. As paredes estavam úmidas e com a pintura envelhecida. Descascava com facilidade. Não havia quadros, apenas uma janela para o mundo, com uma fresta laranja de sol nascente avisando que a vida continuava. Isso além das camas, a mesa, o teto, o piso, Stella e um vazio que não cabia naquele cômodo mofado.Stella Teresa Rizzo havia chegado à casa dos portugueses na noite anterior. Trazia consigo uma pequena valise desbotada com algumas poucas roupas velhas. Usava um vestido não menos desbotado, sapatos surrados e empoeirados pela viagem de sua casa, na fazenda Esperança, até ali. Seus cabelos castanhos estavam emaranhados e presos em um coque. E seus olhos verdes eram opacos e despretensiosos. Ela tinha 15 anos e não sabia, ainda, a bela mulher que podia ser. Seu corpo grande e ossudo a deixava um tanto desengonçada e escondia segredos que nem ela conhecia. Seu andar era arrastado. Estava chegando àquela casa para ajudar na limpeza e se casar. Seus pais precisavam sobreviver.

Criei mais um blog. Agora para publicar contos divididos em capítulos... nem sei no que vai dar, mas espero que dê em boas emoções...

Esta é uma narrativa que escrevi de supetão, há algum tempo, com a pretensão de que pudesse dar prosseguimento, mas acabei engavetando... Resolvi publicar pois assim, quem sabe, consigo dar continuidade a ela, melhorá-la... E se você, meu caro, quiser palpitar, criticar, dar idéias, sugerir, até mesmo dividir essa história... Tudo tudo será muito bem vindo!